Outro dia acompanhei minha mãe e minha tia Maria no preparo de um doce de laranja em caldas. Observei todo o processo desde a colheita no pé até a colocação do doce pronto numa linda tigela para servir à mesa.
Após a colheita veio a etapa de ralar a casca da laranja para extrair dela o sumo ácido. Uma a uma elas foram sendo esfoladas no ralador.
Então era preciso cortar cada uma em quatro partes para tirar o conteúdo interno, a polpa, que nesse caso é desprezada devido ao seu intenso amargor.
Em outro momento as cascas são cortadas em pedaços menores e ficam durante vários dias sendo depuradas num recipiente com água. Por mais ou menos oito dias a água em que estão mergulhadas é trocada diariamente para que as cascas amoleçam e se preparem para receber os ingredientes finais: fogo intenso e açúcar.
Quando a deliciosa sobremesa é servida todo esse processo é ignorado por quem desconhece o modo de fazê-lo. Na sociedade de hoje acontece o mesmo. Na maioria das vezes desconhecemos o processo. Só enxergamos o resultado final.
E nesse caso em especial o processo foi marcado por uma demorada conversa onde as duas “comadres” divagaram por diversos assuntos. Enquanto o trabalho ia sendo executado, a conversa se desenvolvia e a pressa não era amiga das tarefas.
Assim, enquanto desenvolviam o trabalho o tempo voava, os pássaros cantavam, os carros passavam, a poeira abaixava e nenhuma exigência dos meios urbanos interferia em seus afazeres.
Tudo ia sendo realizado sem pressa, sem afobamento. Isso me fez lembrar uma palestra do renomado filósofo Mário Sérgio Cortella na qual ele fala da “despamonhalização” da sociedade em que vivemos e consequentemente da família. Hoje vivemos constantemente o imediatismo, a pressa, a afobação. Não queremos, nem podemos esperar. “Tempo é dinheiro” diz o lema!
O filósofo toma como exemplo o preparo da pamonha que antigamente juntava a família em torno da sua produção. Uns colhiam o milho, outros descascavam, outros limpavam, tirando os intrusos cabelos. Depois vinha a fase de ralar, fazer caixinhas com a palha do milho, temperar, despejar no caldeirão fervendo e por último era hora de saborear.
Pois bem. Quase não há mais feitio de pamonhas e nem de doces de laranjas em casa. Também não temos aprendido a esperar, a contemplar, a apreciar e digerir os acontecimentos, muito menos os conhecimentos. Trabalhamos pensando no dia de amanhã, enchemos nossos filhos de afazeres, comemos muito rápido, ouvimos, mas não escutamos de verdade.
Temos nos tornado pessoas individualistas, “ensimesmadas”, enganadas com o sentido de conexão. Todos conectadas na rede, porém presas e ligadas apenas ao seu computador.
Sabores e saberes lembram degustação, apreciação, deleite. Como aproveitá-los com prazer se estamos algemados ao tempo? Degustemos também o tempo livre, o ócio, a espera.
Escrito por: Rosangela Silva